"EU resido na rua do Rozario n.19, S.Paulo, 23 de novembro de 1855. Dr. Theodoro Reichert - MEDICO OPERADOR E PARTEIRO."
[Correio Paulistano, Anno II, Número 354: 11 de janeiro de 1856.]
No Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de S.Paulo para o anno de 1857. Publicado em 1856, por Marques & Irmão, Dr. Theodoro Reichert é mencionado na seção "Médicos e Cirurgiões", com residência na Rua da Imperatriz. Também nessa publicação, há um anúncio sobre os seus serviços:
"AGUA ANTI-SYPHILITICA
DESCUBERTA PELO
Dr. Theodoro Reichert
Esse remedo poderosissimo, unico em seu genero cura aas gonorreias, e flores brancas das senhoras, sem o incoveniente de recolher.
A applicação é facul, simples, sem incomodar o estomago, como os remedios ate agora applicados.
Este remedio vende-se
EM S.PAULO,
NA CASA DO MESMO DOUTOR
19 - RUA DA IMPERATRIZ - 19
EM SANTOS
Na botica de Francisco de Assis Santos Prado.
EM ITU
Na casa de Luiz Anhai."
[Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de S.Paulo para o anno de 1857. Publicado em 1856, por Marques & Irmão.]
Dr. Theodoro Reichert não limitou suas atividades à área médica, duas décadas depois, no Almanak Litterario Paulista para o Anno de 1876 (publicado em 1875, por Jorge Seckler), encontramos um anúncio oferecendo seus serviços "financeiros" para os interessados:
"CASA BANCÁRIA
DO DR.
THEODORO REICHERT33 RUA DO ROZARIO 33
Continua a fazer operações bancarias, desconta lettras com duas firmas, dá dinheiro a premio sob garantia de apolices, acções de companhias de estrada de ferro e abre contas correntes com garantias.
Recebe dinheiro a premio por lettras e com aviso prévio de 30, 60 e 90 dias, pagamento o premio conforme a tabella da casa.
São Paulo, 24 de Novembro de 1875.
Dr. Theodoro Reichert"
[Almanak Litterario Paulista para o anno de 1876.]
Segundo Flávio Azevedo Marques Saes, em "Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista - 1850 - 1930", a casa bancária de Reichert foi fundada em 1864 e
"Era voltada à população da cidade de São Paulo. Tudo indica tratar-se de coleta de pequenas poupanças individuais, cuja clientela se constituía provavalemente pela classe média e pelo pequeno comércio da capital"
[SAES, Flávio Azevedo Marques. Crédito e bancos no desenvolvimento da economia paulista - 1850 - 1930. São Paulo: IPE/USP, 1983, p.74-75. Apud. OLIVEIRA, Maria Luiza Ferreira. Entre a casa e o armazém: relações sociais e experiência da urbanização. São Paulo, 1850-1900. São Paulo: Alameda, 2005, p.157.]
Em um anúncio republicado, várias vezes, nas edições do Correio Paulistano do ano de 1881, sua casa bancária anuncia ao público:
"Casa Bancaria
DO
Dr. Theodoro Reichert
Entrando esta casa no 17o anno de existencia, continua a descontar lettras com duas firmas, dar dinheiro a premio sob garantia de titulos commerciaes, apolices da divida publica, acções de estradas de ferro, ouro e prata cunhados, abre contas correntes caucionadas e dá dinheiro sob hypothecas.
RECEBE DINHEIRO A PREMIO COM AS SEGUINTES TAXAS:
Pagável á vista - 5% ao anno
Com aviso prévio de 30 dias - 6 % ao anno
A prazo de 6 mezes - 7% ao anno
A prazo de 1 anno - 8% ao annoS.Paulo, 1o. de janeiro de 1879."
[Correio Paulistano: 3 de janeiro, 6 de janeiro de 1880 e 21 de outubro de 1880.]
No ano seguinte, 1881, saem dos anúncios, as garantias de apolices da divida publica e ouro e prata cunhados:
"Casa Bancaria
DO
Dr. Theodoro Reichert
Entrando esta casa no 18o anno de existencia, continua a descontar lettras com duas firmas, dar dinheiro a premio com garantia de titulos commerciaes, acções de estradas de ferro, hypothecas e abre contas correntes caucionadas.
RECEBE DINHEIRO A PREMIO COM AS SEGUINTES TAXAS:
Pagável á vista - 5% ao anno
Com aviso prévio de 30 dias - 6 % ao anno
A prazo de 6 mezes - 7% ao anno
A prazo de 1 anno - 8% ao annoS.Paulo, 1o. de janeiro de 1881."
[Correio Paulistano: 8, 11, 12, 15, 20, 23 e 28 de janeiro, 1 e 6 de fevereiro de 1881.]
Em agosto de 1881, Reichert anuncia a mudança de endereço:
"Banco Reichert
Mudou-se para a rua do Commercio n. 2 sobrado, onde continua as transacções bancarias de costume e recebe dinheiro com as seguintes taxas:
Pagável á vista - 5% ao anno
Com aviso prévio de 30 dias - 6 % ao anno
A prazo de 6 mezes - 7% ao anno
A prazo de 1 anno - 8% ao anno"[Correio Paulistano: 20 de agosto de 1881.]
Em 1882, os conteúdos anunciados sofrem pequenas alterações:
"Banco Reichert
Entrando esse banco no 19o. anno de sua existencia, continua a descontar letras com duas firmas, a dar dinheiro sob hypothecas e a abrir contas correntes garantidas com acções da estrada de ferro, da Cantareira, letrasendossadas, contas assignadas e valores mercantis.
Recebe dinheiro com a seguinte taxa:
Pagável á vista - 5% ao anno
Com aviso prévio de 30 dias - 6 % ao anno
A prazo de 6 mezes - 7% ao anno
A prazo de 1 anno - 8% ao annoS.Paulo, 1o. de Janeiro de 1882."
[Correio Paulistano: 15 e 18 de janeiro de 1882.]
Em sua pesquisa sobre os imigrantes alemães que se estabeleceram em São Paulo, Silvia Cristina Lamberti Siriani, nos conta que Reichert nasceu em Boreck (Prússia) em 22 de dezembro de 1824. Imigrou para o Brasil na década de 1850 e casou-se com Paula Peixoto Gomide, com quem teve sete filhos (entre eles, Theodoro Junior e Euzébio, ambos, bacharéis da Academia de Direito; Francisco que foi para Europa, "para dedicar-se ao estudo do commercio", segundo uma nota publicada no Correio Paulistano de 15 de agosto de 1883. São mencionados os nomes de Maria e Paula, no Correio Paulistano de 26 de maio de 1886, como filhas do Dr. Theodoro Reichert).
Reichert vinha de uma família burguesa, o que possibilitou o seu acesso à uma boa educação em seu país de origem e, segundo Lamberti Siriani, chegou ao Brasil com recursos suficientes para usufruir de uma vida confortável no país. Além da medicina, durante as décadas de 1850 e 1870, exerceu atividades relacionadas com a compra e venda de escravos (há várias escrituras com seu nome como parte interessada):
"Observou-se que o Dr. Reichert tinha predileção por escravos adoentados. Então, adquiria-os, tratava-os e curava-os e, após estarem saudáveis, os escravos que haviam sido comprados por baixos valores, eram revendidos por seus reais valores, ou então alugados. Existem mais de vinte transações como estas registradas nos livros de escrituras do 2o. Cartório da Capital, existentes na Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo."
[SIRIANI, Silvia Cristina Lambert. Uma São Paulo Alemã: vida cotidiana dos imigrantes germânicos na Região da capital (1827-1889). São Paulo: Imesp, 2003, p126-127.]
Suas atividades bancárias e no comércio de escravos eram exercidas, paralelamente, com sua atividade médica. Seu consultório funcionou por mais de 40 anos na cidade. Na década de 1860, junto com Frederico Borghoff, trabalhou gratuitamente para o Governo da Provícia de São Paulo, em campanhas de vacinação contra as epidemias de bexiga, constante entre a população na época.
Além de atender pacientes, negociar escravos, emprestar dinheiro, Reichert também era proprietário da Fazenda Tremembé, onde cultivava uvas e produzia vinhos. As garrafas eram vendidas no "escritório" da Rua do Commérico 2 - sobrado (onde também funcionou o Banco Reichert). Observação: em tempos comércio eletrônico, é comum ver nas páginas dos produtos, comentários, opiniões dos consumidores; porém, como pode ver no anúncio abaixo, isso não é "uma novidade da era da internet", Reichert em 1882, já utilizava os depoimentos de seus "consumidores" como parte da publicidade do produto:
Curiosidade: em 24 de junho de 1883, o Correio Paulistano publicou uma pequena nota, com o título "Multa", no qual informa aos leitores que o Dr. Reichert foi multado "por deitar na rua constantemente aguas sujas".
Suas atividades bancárias duraram cerca de metade do tempo de suas atividades médicas. Fundada em 1864, em 26 de março de 1884, foi obrigado a publicar no Correio Paulistano:
"Ao Público.
No correr de quase 30 annos adquiri uma fortuna maior que milionária, tendo negociado, sempre, com toda prudência tanto que meu activo é de 1:500:000$000, contra um passivo bancário de 400:000$000, mais ou menos. Mas, acontece que exigências repentinas de quantias avultadas, sem eu ter tempo de as recolher dos meus devedores, me obrigam a suspender meus pagamentos momentaneamente, como único recurso para sahir desta difficuldade de momento.
São Paulo, 23 de março de 1884
Dr. Theodoro Reichert."
[Correio Paulistano, 26 de março de 1884. Instituto Martius-Stade, Pasta GIVb, Doc no.: 369. Apud. SIRIANI, Silvia Cristina Lambert. Uma São Paulo Alemã: vida cotidiana dos imigrantes germânicos na Região da capital (1827-1889). São Paulo: Imesp, 2003, p126-127.]
No ano seguinte, em 6 de janeiro de 1885, o Correio Paulistano publicou nota informando sobre uma reunião que seria realizada no dia seguinte (7 de janeiro) com os credores da massa falida do Dr. Theorodo Reichert.
No mês seguinte, no dia 17 de fevereiro, é publicado no mesmo jornal, que os responsáveis pela administração da massa falida, aguardavam propostas para a "arrematação da actual colheita de uvas da Fazenda Tremembé" e que tais propostas seriam aberta em 21 de fevereiro.
No dia 22 de fevereiro, são publicados no jornal dois anúncios: 1) a venda de uvas, tanto de pequenas como de grandes quantidades (e no caso de grandes quantidades, seriam oferecidos bons descontos nos preços) da Fazenda Tremembé; 2) que os administradores recebiam propostas para vendas de vinhos produzidos pela mesma fazenda.
Meses depois, em 12 de maio de 1885, é publicado no Correio Paulistano o anúncio de venda da Fazenda Tremembé, comsua plantação de uva, fábrica de vinhos e que poderiam ser incluídos no negócio o gado e os carros (provavelmente carroças) ou estes dois últimos bens poderiam ser negociados separadamente.
Em 25 de setembro de 1885, é publicada uma nota no Correio Paulistano, com reclamações sobre o andamento da administração da massa falida do Banco Reichert:
"Massa fallida do Dr. Reichert
São decorridos 18 mezes depois da funesta quebra do dr. Reichert, que arrastou á miseria a tantas familias, e até hoje os credores estão na ignorancia do estado em que se acha a liquidação da massa. A morosidade com que os administradores tem empregado nessa commissão resulta prejuiso aos credores, e ainda mais nos consta que ate o presente não se tem promovido a cobrança dos devedores da referida massa.
Se aos credores não ha esperança de receber qualquer insignificante rateio, decidam isso logo e tirem do estado de incertesa em que elles vivem.
São Paulo, 24 de setembro de 1885."
[Correio Paulistano: 25 de setembro de 1885.]
No Correio paulistano do dia 11 de outubro de 1885, os administradores da massa falida do banco, publicam um anúncio convocando os devedores do banco a quitarem seus debitos, lembrando que esta seria a melhor opção, em detrimento do emprego de meios judiciais para a cobrança de tais valores.
Dois anos após o fechamento do banco, ainda existem pendências não resolvidas:
"Banco Reichert
Dous annos são decorridos depois da fallencia do banco Reichert. Nomeou-se administradores da massa o até hoje não sabem os credores e que elles tem feito para final liquidação. So os administradores por seus muito afazeres não tem podido dar conta da commissão que se lhes encarregou, que declarem a fim de se convocar uma nova reunião, e requerer-se ao juiz do commercio o que convier, pois que tal demora não sò é prejudicial aos credores como tambem aos devedores."
[Correio Paulistano: 13 de março de 1886.]
Na "massa falida" de Reichert estava incluso pelo menos uma escrava, como mostra o anúncio publicado ao lado, no qual menciona "Francisca", que é convocada para "receber sua carta de liberdade".
Dr. Theodoro Reichert faleceu no dia 14 de novembro de 1898 (74 anos)
Recorrendo a variadas fontes de informação - inventários, processos-crime, registros de entrada na Hospedaria dos Imigrantes, notas de tabelionatos, almanaques, jornais; correspondência do consulado alemão, das autoridades estaduais e do município e ainda de particulares - a autora descreve, em cores vivas, o cotidiano dos imigrantes alemães em São Paulo. O registro está amparado em sólida argumentação interpretativa, que faz desse livro uma obra fundamental para quem deseja aprofundar-se no estudo da formação da população paulistana...[+]
Este livro é um convite para o leitor voltar a um tempo no qual São Paulo combinava características de uma cidade moderna com traços fortemente rurais. Bastava uma rápida caminhada até a Igreja da Misericórdia para avistar, do alto de seu campanário, descampados, grotões, charnecas, beiras de rios e até animais silvestres e matas, que se estendiam muito além dos vales do Anhangabaú e Tamanduateí. Os personagens deste cenário? Aquela parte da população abstratamente designada como "classes médias" - na verdade, uma gente esquecida, os remediados da sociedade, uma multidão de figurantes mudos da cena paulistana - os quais atendiam pelos nomes de Dona Carolina, Seu Marcelino, Ana de Sorocaba e centenas de outros que aparecem nos registros dos quase mil inventários e testamentos que chegaram até nós. A maioria tinha pouco mais de quarenta anos no longínquo ano de 1872, quando surgiram na cidade os primeiros lampiões a gás. Pessoas que vivenciaram um tempo de incertezas e mudanças, abriram lojas e armazéns, compraram uma casinha, faliram, venderam tudo, tiveram dias bons ou ruins - enfim, sentiram na pele aquele diagnóstico certeiro de António de Alcântara Machado, quando dizia que 'em São Paulo não há nada acabado e nem definitivo, as casas vivem menos que os homens e se afastam, rápidas, para alargar as ruas'...[+]