Márcia Padilha, em seu livro "A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20", discorre sobre como a atividade comercial representava uma forma de ascensão social para os imigrantes: os comerciantes mais abastados, alguns com suas mansões construídas na Avenida Paulista, passavam a integrar a elite paulistana.
Tal ascensão social era reforçada nas revistas, com a publicação de anúncios de seus estabelecimentos, muitas vezes em formatos de reportagens que divulgavam não somente o estabelecimento, como os nomes de seus proprietários:
"Esses anúncios tomavam a forma de reportagens feitas pelas revistas - que faziam aas vezes de um guia pela cidade - a convite das próprias lojas. Tratava-se de uma associação na qual os comerciantes entravam com sua força de anunciante e as revistas com sua força de veículo."
[PADILHA, Marcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001, p.68.]
Em um anúncio-reportagem, publicado em julho de 1922, em A Cigarra, o anúncio da casa "A CIDADE DE LONDRES", menciona seus proprietários - "pertence aos Irmãos Ricardi, dignos proprietários" - projetando assim, o nome de sua família para toda a cidade, como descreve Padilha era uma forma de apresentar ao público os senhores Ricardi, como se apresenta "uma debutante para a sociedade" [PADILHA, 2001, p.68].
No anúncio-reportagem do periódico "A Cigarra", a introdução do texto apresenta a "importância" da elegância, de se vestir bem e, somando-se a isso, conecta elegância a preços mais elevados e elegância aos Irmãos Ricardi:
"O profissional hábil e inteligente indica logo, com firmeza, a roupa que nos assentará com elegância, isto é, aquela nos deve ficar melhor, sem nugas de espécie alguma. Daí a preferência que os clientes vão dando a esses, embora tenha que lhes pagar mais caro. A verdade é que aquele que está acostumado a vestir-se bem não faz questão de pagar um pouco mais. Aliás, um terno confeccionado com perfeição, o que gsta tempo e material de primeira ordem, nunca é caro. Todo mundo está farto de saber que o barato sai caro. O caro, portanto, sai barato.
E foi assim pensando que os irmãos Ricardi, dignos proprietários d' "A Cidade de Londres", criaram em pouco tempo, a preferência do público paulista, principalmente daqueles que querem e fazem questão de trajar-se elegantemente."
[A CIGARRA, 1 Jul. 1922. ]
Para pesquisadores, essas reportagens-anúncios são interessantes pois, é possível saber que o estabelecimento funcionava na cidade há 15 anos, ou seja, inaugurada no começo do século XX e que funcionou na Rua São Bento 33-A e em 1922, localizava-se na Praça Antônio Prado esquina com a Avenida São João - interessante observar que na publicação "A Cigarra" o estabelecimento é denominado "A Cidade de Londres" e nos anúncios de 1921, publicados no Correio Paulistano, "A La Ville de Londres":
O anúncio da mudança de endereço é divulgado no jornal Correio Paulistano:
Entre as mercadorias, importadas, estavam produtos como camisas, chapéus e "roupas brancas para homens", distribuídos no
"espaçoso salão rodeados por artísticas prateleiras e vários mostruários, onde se acham acomodados com gosto os diversos artigos, oferecendo aos seus visitantes e fregueses magnifico aspecto."
[A CIGARRA, 1 Jul. 1922.]
Pela descrição, o estabelecimento já segue parte das características abordadas no seriado de TV "Mr. Selfridge" (no momento, disponível online para os assinantes da Netflix), pois, o anúncio informa "visitantes e fregueses", ou seja, pessoas que entram nas lojas apenas para admirar os produtos e pessoas que entram para comprar os produtos (lembrando que, antigamente, os estabelecimentos comerciais não expunham seus produtos em vitrines ou balcões, os clientes que entravam na loja, o faziam para "comprar" e não para "olhar" o produto).
A parte externa da edificação também ganha destaque, em especial as vitrines que eram arrumadas diariamente (para quem quer saber mais, o seriado de TV mencionado, Mr. Selfridge, aborda, em vários episódios a importância da organização da vitrine para o sucesso do estabelecimento, uma mistura de função comercial com entretenimento para os pedestres).
Em maio de 1926, de acordo com a publicação do "Edital da Recebedoria de Rendas da Capital - Exercício de 1926 - Imposto de Commercio e Industria", o nome "Irmãos Ricardi" é citado no seguinte endereço: Rua de São Bento, n. 78" (impostos de 1:500$000); em junho de 1926, o edital é publicado, dessa vez o nome dos "Irmãos Ricardi" aparece na Avenida Rangel Pestana, porém, o número não está legível para leitura - ? 221, 621, 121 -, com imposto de 400$000. Em maio de 1927, o edital menciona o endereço como sendo Rua São Bento, n. 73, imposto de 1:500$000 e Avenida Rangel Pestana, n. 421 (imposto de 600$000). É possível que os irmãos Ricardi, ao invés de um endereço comercial, eram proprietários de pelo menos, dois, um localizado na Rua São Bento e outro na Avenida Rangel Pestana.
A CIGARRA, 1 Jul. 1922.
CORREIO PAULISTANO, n. 20.716, 4 Mar. 1921.
CORREIO PAULISTANO, n. 20.724, 12 Mar. 1921.
CORREIO PAULISTANO, n. 20.752, 11 Abr. 1921.
CORREIO PAULISTANO, n. 20.809, 8 Jun. 1921.
CORREIO PAULISTANO, n. 20.898, 8 Set. 1921.
CORREIO PAULISTANO, n. 21.083, 16 Mar. 1922.
CORREIO PAULISTANO, n. 22.588, 12 Mai. 1926.
CORREIO PAULISTANO, n. 22.599, 23 Jun. 1926.
CORREIO PAULISTANO, n. 22.921, 14 Mai. 1927.
CORREIO PAULISTANO, n. 22.925, 18 Mai. 1927.
IL PASQUINO COLONIALE, n. 715, 2 Jul. 1921.
IL PASQUINO COLONIALE, n.793, 30. Dez. 1922.
PADILHA, Marcia. A cidade como espetáculo: publicidade e vida urbana na São Paulo dos anos 20. São Paulo: Annablume, 2001.
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