A Sociedade Propagadora da Instrução Popular, fundada em 1873, era uma associação privada apoiada pelos grupos maçônicos e tinha como objetivo elevar o nível intelectual e moral das classes operárias, através da educação e do trabalho.
Tratava-se de uma associação de vanguarda: apesar do fim do tráfico de escravos com a Bill Aberdeen (1845) e de existir mão-de-obra paga na cidade desde o período colonial, o trabalho manual ainda era muito associado como funções de escravos, uma vez que a sociedade da época legava o trabalho para os escravos que prestavam serviços, produziam e vendiam produtos, entregando os ganhos desses para seus "proprietários", além do exercício dos serviços domésticos nas residências. Lembrando que a fundação da Sociedade ocorreu apenas dois anos depois da assinatura da Lei do Ventre Livre e mais de uma década antes da Lei dos Sexagenários (1885) e da Lei Áurea (1888):
"Em uma sociedade onde aqueles que de fato trabalhavam nada recebiam em troca, ao passo que seus donos ficavam com todo o resultado do trabalho alheio, só enriquecia quem não trabalhava. Toda a riqueza era vista como resultado da esperteza, e nunca da dedicação. (...) A extinção do tráfico, embora fosse um golpe fatal no sistema vigente desde o início da colonização, não significou o fim das crenças profundas que o sustentavam."
[CALDEIRA, Jorge. Viagem pela história do Brasil. 2ª. Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.]
É inserido nesse contexto social, no qual a "educação" vigente era evitar a mistura entre os indivíduos "respeitáveis" com os que estavam condenados ao trabalho manual e no qual a distância entre o maior ou menor envolvimento com o trabalho, definia a posição social do indivíduo, é que surge a Sociedade Propagadora da Instrução Popular, com a intenção de
"garantir a formação de bons cidadãos que, sabendo trabalhar e podendo viver do trabalho, não se deixavam corromper por empregos ou favores oferecidos a troco de sacrifícios do caráter, pois o proletário que sabe trabalhar foge dos vícios, que roubam tempo e saúde, seus únicos, mas produtivos capitais", como testemunhou, posteriormente, um de seus fundadores, Carlos Leôncio da Silva Carvalho.
[ACERVO PERMANENTE E NOVAS DOAÇÕES. São Paulo: Edições Pinacoteca, 1999, p.3-4.]
Em um período em que existiam poucas escolas primárias e raras instituições de ensino secundário e superior, a Sociedade oferecia, gratuitamente, aulas para a população de baixa renda, fornecendo também o material didático necessário, uma biblioteca pública para consultas e até assistência médica para seus alunos:
"As aulas serão gratuitas e francas e os metriculados receberão gratuitamente livros, penas, papel e tinta, assim como, quando assíduos, cuidados médicos e remédios; receberão mais prêmios em dinheiro ou objetos de valor, diplomas de mérito intelectual e boa conduta."
[LEMOS, Carlos. "O edifício da Pinacoteca do Estado". IN: PALHARES, Taisa Helena P. (org.). Arte brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo. São Paulo: Cosac Naify / Imesp / Pinacoteca, 2009, p.29.]
A iniciativa recebeu doações do setor privado e apoio do setor público, na época representado pelo Presidente da Província Doutor João Teodoro. Inicialmente, as aulas de caligrafia, aritmética, sistema métrico e gramática portuguesa ocorriam à noite, com classes separadas para adultos, meninos e "alunas" e com "leitura pública" na biblioteca. Nos primeiros nove anos, abrigou mais de 800 alunos.
Com o desenrolar do projeto educacional, a Sociedade incluiu o ensino de línguas estrangeiras e passou, também, a se preocupar com a formação de mão-de-obra especializada (escola profissionalizante) e em 1882, surgiu o Liceu de Artes e Ofícios. Porém, com a queda do império em 1889:
"tem começo as crises surgidas da falta de apoio oficial, sendo insuficientes os recursos advindos da iniciativa particular. Enfim, as poucas contribuições conseguiram levar a escola funcionando precariamente até 1894. Em 1895, Ramos de Azevedo assume o comando do Liceu que estava a rolar ladeira abaixo. (...) O presidente do Estado, amigo e cliente Bernardino de Campos, e seus secretários Cesário Motta e Alfredo Pujol foram os principais benfeitores que permitiram auxilios oficiais."
[LEMOS, Carlos. "O edifício da Pinacoteca do Estado". IN: PALHARES, Taisa Helena P. (org.). Arte brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo. São Paulo: Cosac Naify / Imesp / Pinacoteca, 2009, p.30.]
A transição de Sociedade Propagadora da Instrução Popular para Liceu de Artes e Ofícios foi um reflexo das mudanças ocorridas durante a queda do Império e o período da República Velha. As características da população revelavam a transição da sociedade: escravos aos poucos tornavam-se empregados, em alguns casos, comprando sua liberdade com parte dos pagamentos que recebiam por seus serviços e venda de produtos que cultivavam ou fabricavam, os fazendeiros começavam a se habituar com o trabalho assalariado e os imigrantes adaptavam-se aos modos de vidas dos brasileiros. Com a aceleração da urbanização, o centro nervoso da economia transferia-se da agricultura para a indústria e o Liceu acompanhou essa mudança, alterando seu currículo, ampliando em 1895 as disciplinas de suas classes de "primeiras letras": além das aulas de português e artimética, os alunos começaram a aprender álgebra, geometria e contabilidade. Somando-se a essas mudanaças curriculares, o Liceu passou a oferecer para a população, cursos na área de comércio e outros voltados para as artes aplicadas, a lavoura e a indústria. Também foram incluídas novas disciplinas no curso secundário pelo novo diretor-geral, Francisco de Paula Ramos de Azevedo.
O curso de Artes e Ofícios era composto por classes de desenho com aplicação para as artes e para a indústria, classes de modelagem (barro e gesso) e classes de pintura e de "instrução profissional": corte e assambladura de madeiras, para uso em carpintaria; solda e curvamento de ferro, para aplicação em calderaria, ferro forjado e serralheria. A pretensão de Ramos de Azevedo com as mudanças era estabelecer uma base para a criação de uma futura escola de belas artes em São Paulo. A reforma curricular criaria condições para o aprimoramento e a ampliação da produção de artigos de arte decorativa e industrial, visando atender o setor de construção em franca expansão na cidade na época.
Com o passar do tempo, o Liceu passou a executar trabalhos sob encomenda, principalmente na área de marcenaria e serralheria:
"responsável pelo fornecimento de elementos de gessaria, moldagens, ferragens artísticas, além de equipamnetos para instalações elétricas, hidráulicas, etc. para muitas das faustosas construções das primeiras três décadas do século XX."
[BENS CULTURAIS ARQUITETÔNICOS NO MUNICÍPIO E NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO. São Paulo: SNM – Secretaria de Estado dos Negócios Metropolitanos, EMPLASA – Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A e SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento, 1984.]
O fortalecimento das classes de belas artes - desenho, pintura e escultura - transformou o Liceu em um centro voltado para as artes plásticas. A obtenção de prêmio nacionais e internacionais, elevou ainda mais o prestígio do Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Entre os artistas que lecionaram na instituição estavam: Dominiciano Rossi, Pedro Alexandrino, Felisberto Ranzini, Oscar Pereira da Silva, Amadeo Zani, entre outros.
Apesar do reconhecimento de sua importância pela cidade, o Liceu desde a sua fundação não possuía uma sede própria: até 1893, funcionou na Rua da Boa Morte, depois, mudou-se para a Rua de Santa Tereza e em seguida, para a Rua Onze de Agosto. Em 1895 a diretoria do Liceu e o Governo da Província começou a negociação relacionada com a doação de um terreno em frente ao Seminário Episcopal, lateral do Jardim Público (Jardim da Luz) e com a concessão de subsídios para a construção de um edifício para a sede do Liceu de Artes e Ofícios - a escolha do terreno próximo a Estação da Luz não era aleatória, pois, a localização facilitava o escoamento da produção do Liceu.
O terreno foi cedido em 1896 e no ano seguinte, com os recursos de seus sócios, os lucros resultantes das vendas de seus trabalhos, a concessão de 100 contos de réis do Governo Provincial e as doações de materiais de construção obtidas por Ramos de Azevedo, começavam os trabalhos para a construção da sede do Liceu de Artes e Ofícios.
O projeto do prédio, de Dominiciano (Dimiziano) Rossi, apresentava planta simétrica, de três pavimentos, com repetição das pilastras estruturais. Com influência do neoclassicismo italiano, apresentava dois pátios internos descobertos, para onde abriam-se diversas janelas, facilitando a iluminação e ventilação dos corredores e das salas de aula.
Aliás, sobre a autoria da edificação, Carlos Lemos faz as seguintes observações:
"Dimiziano Rossi, convidado a lecionar tanto na Politécnica quanto no Liceu, e foi como professor deste último que participou das obras da nova sede. O projeto do Liceu dizem ser integralmente de Rossi. Achamos pouco provável porque Ramos, naquela euforia de levantar o Liceu com donativos oficiais, não iria deixar passar a oportunidade de se mostrar como arquiteto emérito e Rossi, que nem empregado de seu escritório era, não iria, por sua vez, trabalhar anonimamente para que os outros recebessem os louros. A nosso ver, é mais viável a hipótese de colaboração mútua."
[LEMOS, Carlos. "O edifício da Pinacoteca do Estado". IN: PALHARES, Taisa Helena P. (org.). Arte brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo. São Paulo: Cosac Naify / Imesp / Pinacoteca, 2009, p.30.]
Em sua construção foram empregados materiais importandos, algo comum na época, como, por exemplo, o pinho de Riga e os pisos de cerâmica francesa. Um saguão central de tríplice pé direito, no centro da construção, estava localizado no 1o. andar e cortava o edifício até o último nadar, e como nos pátios internos, janelas abriam-se para o seu interior. No projeto inicial, havia uma cúpula para "coroar" esse espaçocentral e para o revestimento externo, os desenhos apresentam planos de farta ornamentação, porém, ambos nunca foram concluídos por falta de recursos.
Em 1900 com o prédio parcialmente concluído, foram instalados os cursos de instrução primária e artística do Liceu. Segundo Carlos Lemos, o projeto original nunca foi concluído e Diminiciano Rossi e Ramos de Azevedo não levaram em consideração as necessidades funcionais do Liceu, por exemplo, as oficinas foram alojadas no porão, que possuía um pé direito muito baixo, fazendo com que os aprendizes se acotovelassem, esprimidos no locais de trabalho e as oficinas industriais não puderam permanecer no local.
O Ginásio do Estado foi instalado no local em 1901, permanecendo até 1910 - a decisão fazia parte do acerto entre o Liceu e o Governo para a obtenção de outro local para a oficinais industriais. Anos depois, em 1906, com a intermediação do presidente Jorge Tibiriça, o Liceu recebeu como doação um terreno entre as Ruas João Teodoro, Cantareira e Jorge Miranda e em 1919, durante a administração de Rodrigues Alves, o espaço doado foi ampliado para um total de 13.500 metros quadrados.
Em 1905 foi fundada a Pinacoteca do Estado, o primeiro museu de artes plásticas da cidade de São Paulo. Para a inauguração em 25 de dezembro de 1905, foram reformadas três salas do terceiro piso do então Liceu de Artes e Ofícios, criando assim, um salão de 24 metros de comprimento, por 9 metros de largura e 6,5 metros de altura. Foram fechadas nove janelas e aberta uma clarabóia para a iluminação da galeria.
O Liceu de Artes e Ofícios deixou a edificação em 1971, porém, anos antes, em 1946, a edificação foi desapropriada para dar lugar para a Escola de Belas Artes e a Pinacoteca do Estado.
[texto em construção: o Moyarte está trabalhando em um texto sobre a história da Pinacoteca do Estado, como instituição cultural/museu]
YAMAGAWA, Mônica. Pinacoteca do Estado, Sociedade Propagadora da Instrução Popular, Liceu de Artes e Ofícios - Dicionário do Centro de São Paulo. Moyarte. Disponível em: <http://www.moyarte.com.br/centro-de-sao- paulo/dicionario-do-centro-de-sao-paulo/ indice-dicionario.html>. Acesso em: 25 Jan. 2022. [Em "Acesso em", indicar a data de consulta, data de acesso ao site].
ABDALLA, Antônio Carlos, ESTEVES, Juan. Capital - São Paulo e Seu Patrimônio Arquitetônico. São Paulo: Imesp, 2013.
ACERVO PERMANENTE E NOVAS DOAÇÕES. São Paulo: Edições Pinacoteca, 1999
BENS CULTURAIS ARQUITETÔNICOS NO MUNICÍPIO E NA REGIÃO METROPOLITANA DE SÃO PAULO. São Paulo: SNM – Secretaria de Estado dos Negócios Metropolitanos, EMPLASA – Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São Paulo S/A e SEMPLA – Secretaria Municipal de Planejamento, 1984.
CALDEIRA, Jorge. Viagem pela história do Brasil. 2ª. Edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
PALHARES, Taisa Helena P. (org.). Arte brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo.São Paulo: Cosac Naify / Imesp / Pinacoteca, 2009.
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